Essa crônica foi publicada no
primeiro ano de criação do Serviço de Teatro da Universidade do Pará, atual
Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará. Nela, Lindanor Celina
reflete sobre a necessidade do público local frequentar o teatro que os
artistas da época estavam empenhados em desenvolver, além de tecer críticas às
produções de massa, como as Revistas. Um bom material para pensarmos as artes
cênicas no Pará do século XX.
Boa leitura!
O público quer teatro de
verdade, isto não é de hoje. Vivemos nos queixando que o povo só acorre às
chanchadas; que quando encenamos algo de mais valia, não tem ninguém pra ver, e
isto derrota com o ânimo do artista, dá mesmo uma vontade, vendo a sala
oquinha, de largar mão de tudo e cuidar de outra vida. Não fosse a paixão, está
espécie de desvairada pertinácia que o idealismo traz, palavra, os que
pretendem fazer teatro em Belém há muito se teriam voltado para outros
interesses. Ainda bem que a Arte é assim como um demônio, um santo demônio, que
entra na pele dum, e ele fica possesso e só está bem quando está lutando, sofrendo,
se consumindo nas labaredas do doce inferno.
O povo gosta de teatro.
Mais, anseia, dá a via por um espetáculo. Não é sua culpa se até agora aprendeu
a apreciar quase só o que é ruim, a valorizar o medíocre.
Vez em quando tenho uma
prova disso, rara, isolada, mas que dá para manter a fé no bom gosto latente do
público. Não viram como a nossa plateia reagiu bem perante “O Pagador de
Promessas “? quando Norte Teatro Escola levou “A Cantora Careca”, e Cláudio
encenou “A Compadecida”, oito vezes encarrilhadas, no colégio Nazaré?
O povo quer bom teatro. Se
não vai lá, é que não tem mesmo não sabe, não foi industriado na arte de pensar
um espetáculo, porque ir ao teatro é como ouvir boa música, e aprende.
Mais um indício de tal
interesse eu tive, um dia desses, quando, depois da publicação de uma cena de
Gil Vicente, várias pessoas vieram a mim, numa curiosidade nem sintomática:
“Lindanor, tu és dessas coisas, me conta como é mesmo do teatro de vocês, e
conta, que nós queremos ver”.
Expliquei, repetindo mais ou
menos o que os jornais têm dito, o que o professor Amir Haddad tão bem explanou
em entrevista a um dos nossos matutinos: que está a primeira exibição (após um
curto ano letivo – seis meses apenas) do Curso de Iniciação Teatral da
Universidade do Pará. Espécie de teste público, onde o examinador será a
própria plateia. São quatro peças, mas não se assustem, cada uma é um ato.
Através dela o povo verá o fruto de seis meses de aula do prof. Amir Haddad a
seus alunos, alguns dos quais jamais haviam pisado num palco.
Uma pena eu tenho, mas isto
é uma velha lamúria: não vermos esse espetáculo no Teatro da Paz. Paciência. A
direção e os artistas farão p milagre no auditorium da SAI. Porque os
prodígios, mormente os de boa vontade, existem, são deste mundo mesmo, depende
de se querer as coisas com entusiasmo e paixão.
Ora pois, é o público, é
você, leitor quem vai apreciar o trabalho dessa equipe. Contamos com você, na
certeza de que não nos faltará, nessa temporada teatral de 10 a 15 deste mês,
na SAI. Para dizer um SIM animador aos que lutam por alfo de nobre e verdadeiro
neste Pará. Afirmar-lhes que pedem e devem prosseguir, que não estão sós, mas
que têm a seu lado a maior força que existe – o povo (até parece discurso
político, mas embarquei sem querer nesse tom e nele vou até o fim). Este povo
injustamente acusado de só divertir com o grasnar de Zé Trindade, as banhas de
Violeta Ferraz ou com as piadas salgadíssimas de Milton Carneiro. Público
malamado, se recorreu a tão sucedâneos da arte, é que praticamente não lhe
ofereceram mais nada. Do momento em que tiver alfo de bom para aplaudir, ali
estará, rente. Porque, isto eu sinto, o povo, em derradeira análise tem em sim,
ainda que em germe, escondidinho, o gosto, o saber despertar esse amor.
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