Teatro Providência no Largo das Mercês - Joseph Léon Righini.

Teatro Providência no Largo das Mercês - Joseph Léon Righini.
Teatro Providência no Largo das Mercês - Litografia de Joseph Léon Righini. Fonte: Centro de Memória da UFPA

quarta-feira, 10 de junho de 2015

O público quer bom teatro[1] - Lindanor Celina.

Essa crônica foi publicada no primeiro ano de criação do Serviço de Teatro da Universidade do Pará, atual Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará. Nela, Lindanor Celina reflete sobre a necessidade do público local frequentar o teatro que os artistas da época estavam empenhados em desenvolver, além de tecer críticas às produções de massa, como as Revistas. Um bom material para pensarmos as artes cênicas no Pará do século XX.
Boa leitura!
 
           O público quer teatro de verdade, isto não é de hoje. Vivemos nos queixando que o povo só acorre às chanchadas; que quando encenamos algo de mais valia, não tem ninguém pra ver, e isto derrota com o ânimo do artista, dá mesmo uma vontade, vendo a sala oquinha, de largar mão de tudo e cuidar de outra vida. Não fosse a paixão, está espécie de desvairada pertinácia que o idealismo traz, palavra, os que pretendem fazer teatro em Belém há muito se teriam voltado para outros interesses. Ainda bem que a Arte é assim como um demônio, um santo demônio, que entra na pele dum, e ele fica possesso e só está bem quando está lutando, sofrendo, se consumindo nas labaredas do doce inferno.
O povo gosta de teatro. Mais, anseia, dá a via por um espetáculo. Não é sua culpa se até agora aprendeu a apreciar quase só o que é ruim, a valorizar o medíocre.
Vez em quando tenho uma prova disso, rara, isolada, mas que dá para manter a fé no bom gosto latente do público. Não viram como a nossa plateia reagiu bem perante “O Pagador de Promessas “? quando Norte Teatro Escola levou “A Cantora Careca”, e Cláudio encenou “A Compadecida”, oito vezes encarrilhadas, no colégio Nazaré?
O povo quer bom teatro. Se não vai lá, é que não tem mesmo não sabe, não foi industriado na arte de pensar um espetáculo, porque ir ao teatro é como ouvir boa música, e aprende.
Mais um indício de tal interesse eu tive, um dia desses, quando, depois da publicação de uma cena de Gil Vicente, várias pessoas vieram a mim, numa curiosidade nem sintomática: “Lindanor, tu és dessas coisas, me conta como é mesmo do teatro de vocês, e conta, que nós queremos ver”.
Expliquei, repetindo mais ou menos o que os jornais têm dito, o que o professor Amir Haddad tão bem explanou em entrevista a um dos nossos matutinos: que está a primeira exibição (após um curto ano letivo – seis meses apenas) do Curso de Iniciação Teatral da Universidade do Pará. Espécie de teste público, onde o examinador será a própria plateia. São quatro peças, mas não se assustem, cada uma é um ato. Através dela o povo verá o fruto de seis meses de aula do prof. Amir Haddad a seus alunos, alguns dos quais jamais haviam pisado num palco.
Uma pena eu tenho, mas isto é uma velha lamúria: não vermos esse espetáculo no Teatro da Paz. Paciência. A direção e os artistas farão p milagre no auditorium da SAI. Porque os prodígios, mormente os de boa vontade, existem, são deste mundo mesmo, depende de se querer as coisas com entusiasmo e paixão.
Ora pois, é o público, é você, leitor quem vai apreciar o trabalho dessa equipe. Contamos com você, na certeza de que não nos faltará, nessa temporada teatral de 10 a 15 deste mês, na SAI. Para dizer um SIM animador aos que lutam por alfo de nobre e verdadeiro neste Pará. Afirmar-lhes que pedem e devem prosseguir, que não estão sós, mas que têm a seu lado a maior força que existe – o povo (até parece discurso político, mas embarquei sem querer nesse tom e nele vou até o fim). Este povo injustamente acusado de só divertir com o grasnar de Zé Trindade, as banhas de Violeta Ferraz ou com as piadas salgadíssimas de Milton Carneiro. Público malamado, se recorreu a tão sucedâneos da arte, é que praticamente não lhe ofereceram mais nada. Do momento em que tiver alfo de bom para aplaudir, ali estará, rente. Porque, isto eu sinto, o povo, em derradeira análise tem em sim, ainda que em germe, escondidinho, o gosto, o saber despertar esse amor.




[1] Jornal A Província do Pará (Nº 20.392), 2º Caderno. Domingo, 04/11/1962, (p.01).

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