Teatro Providência no Largo das Mercês - Joseph Léon Righini.

Teatro Providência no Largo das Mercês - Joseph Léon Righini.
Teatro Providência no Largo das Mercês - Litografia de Joseph Léon Righini. Fonte: Centro de Memória da UFPA

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

FRAGMENTOS DE UMA HISTÓRIA


Em 1968, realizou-se, em Manizales, na Colômbia, o Primeiro Festival de Teatro Universitário Latino-americano. Com ilustres no público, como o poeta Pablo Neruda, e Jack Lang, Diretor do Festival Mundial de Teatro de Nancy, três grupos brasileiros participaram: um de Santa Maria, Rio Grande do Sul; Grupo paulistano Arena, com Arena Conta Zumbi; e o grupo da Escola de Teatro da Universidade Federal do Pará.
O grupo paraense levou para o festival o espetáculo A Pena e a Lei, de Ariano Suassuna, com direção de Cláudio MacDowell, e diretor da Escola Marbo Giannaccini. No elenco, contou com a participação de Walter Bandeira e Cláudio Barradas, entre outros.
Abaixo, transcrevo (livre tradução do espanhol para o português) uma reportagem[1] que saiu no Jornal La Patria, de Menizales, em 09 de outubro de 1968, durante o Festival.

“A Pena e a Lei”, a obra com a qual o grupo de teatro da Universidade de Belém do Para, Brasil, participa no Festival Latino-americano, ocupará hoje o cenário do Teatro Los Fundadores.
Em uma entrevista feita com Marbo Giannaccini, Diretor da Escola de Teatro da Universidade Federal do Pará, quem preside a delegação no festival, obtivemos ampla informação sobre antecedentes e trajetória da obra:
“A Pena e a Lei” – diz-nos Giannaccini – se baseia na história e personagens do teatro popular de bonecos da região nordeste do Brasil, e pertence a um período do desenvolvimento do teatro carioca. Nossa preocupação em mostrar esta obra, escrita por Ariano Suassuna, foi mostrar a fase atual do teatro, a fase de agressividade, com o fim de fazer participar ao público da ação. Ela está dividida em três partes: na primeira, os atores se comportam como bonecos; na segunda atuam como seres humanos, e na terceira se cumpre uma autocrítica do texto, que fica destruído. O objetivo do autor é manter a esperança mística através de histórias ingênuas, e nosso objetivo é mostrar essas histórias e apresentar a realidade.
O elenco está composto por nove homens e uma mulher.
Diretor do grupo é Claudio MacDowell.

Concepções sobre o Festival.
Giannaccini nos recene na sala de ensaios do Teatro Los Fundadores, enquanto o grupo da Universidade Federal do Pará trabalha na preparação.
- Que concepção tens do Festival?
- Em primeiro lugar, sentimos uma grande satisfação por ter sido escolhidos para representar nosso teatro neste Festival, sobretudo quando se apresentam grupos altamente qualificados, como os do Peru, Colômbia, Argentina, e os demais. Desse jeito nos sentimos muito honrados pelo alto nível que o Festival tem e por seu corpo de Jurados. Quanto a sua organização, me parece excelente, não obstante a falta de experiência que se tem sobre este tipo de evento.

Elogio de Manizales
Mas adiante, o destacado Diretor de teatro brasileiro se referiu assim a nossa cidade:
- Manizales me surpreendeu bastante por seu alto nível cultural e por seu povo acolhedor e hospitaleiro. Por seu belo caráter, torna-se uma cidade sui generis, interior e exteriormente.
Estou seguro – afirmou Giannaccini – que levaremos do Festival uma experiência importante para o Brasil, pelo intercâmbio com os demais grupos latino-americanos. Para nós, especialmente, por razão de língua e tradição, este contato é mais frutífero e valioso, não só pelo conhecimento que vamos adquirir senão pelo armazenamento de informações que deste intercâmbio obteremos.

A Universidade Federal do Pará
A Universidade Federal do Pará, cuja é representada por esse grupo, é uma das mais importantes do Brasil. Conta com 4.000 estudantes de Medicina, Engenharia, Arquitetura, Odontologia, Farmácia, Química, Filosofia, Direito, Economia, Assistência Social e outras unidades como Centro de Francês, Centro de Atividades Musicais, Núcleos de Ciências, de Física e Matemáticas, de Letras, Serviço de Teatro, Centro de Estudos de Cinematográficos. Conta com uma grande biblioteca Central e seus próprios trabalhos gráficos.
No Serviço de Teatro funcionam curso de cenografia, direção teatral, cursos de dança, cenotécnica, etc.

Na reportagem descrita acima, além de percebermos a apresentação das impressões de Marbo Giannaccini, diretor da Escola de Teatro da UFPA na época, sobre o Festival, sua importância, seus significados, ele dá um panorama do ensino superior no Pará, na década de 1960. Um importante registro histórico sobre a produção cultural e a educação em nosso estado.
Para lembrar, o Serviço de Teatro da UFPA, composto pela Escola de Teatro, Cineclube, e alguns cursos de experimentação teatral (direção, cenografia, dança) e o Curso de Formação de Ator, foi fundado em 1962, com o curso experimental de teatro e no ano seguinte, em 1963, oficialmente instalado o referido setor da universidade.
No seu início, tinha como corpo docente: Bendito Nunes (diretor do STUP e professor de Estética e Psicologia); Maria Sylvia Nunes (Diretora da Escola e depois professora de História do Espetáculo); Francisco Paulo Mendes (História e Teoria do Teatro); Amir Haddad (interpretação); Carlos Eugênio Marcondes de Moura (dicção) e Yolanda Amadei (expressão corporal). Ao decorrer dos anos esse quadro foi mudando, vindo outros profissionais de fora do estado e ex-alunos tornando-se professores, como Walter Bandeira, que assumiu a cadeira de Dicção e Cláudio Barradas e a de interpretação.
Várias questões serão apresentadas em minha tese de doutoramento, que aborda a produção teatral no Pará (1941-1968), a partir da análise das ações de grupos como o Teatro do Estudante do Pará (1941-1951); o Norte Teatro Escola do Pará (1957-1962); a Escola de Teatro da UFPA (1962-1968); e a produção teatral no início da ditadura militar (1962-1968). A pesquisa está em fase de “conclusão”, prevista para ser defendida agora no segundo semestre de 2015, e tem como título Vanguardismos e modernidades: o teatro no Pará (1941-1968).
Além de refletir sobre a referida produção teatral, procurar debater as concepções e ações de intelectuais e artistas paraenses em prol de transformações na cena local.
Dessa maneira, compartilho um pouco dessas informações e em breve socializarei mais questões sobre o teatro paraense.


[1] A fonte de jornal utilizada aqui faz parte do Arquivo João Labanca, disponível do CEDOC da FUNARTE, na cidade do Rio de Janeiro.



 





Na imagem, destaca-se o ator Walter Bandeira.


Na foto os Jurados dos Festival: Atahualpa del Ciopo, Pablo Neruda e sua esposa Matilde Urru.





quarta-feira, 10 de junho de 2015

O público quer bom teatro[1] - Lindanor Celina.

Essa crônica foi publicada no primeiro ano de criação do Serviço de Teatro da Universidade do Pará, atual Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará. Nela, Lindanor Celina reflete sobre a necessidade do público local frequentar o teatro que os artistas da época estavam empenhados em desenvolver, além de tecer críticas às produções de massa, como as Revistas. Um bom material para pensarmos as artes cênicas no Pará do século XX.
Boa leitura!
 
           O público quer teatro de verdade, isto não é de hoje. Vivemos nos queixando que o povo só acorre às chanchadas; que quando encenamos algo de mais valia, não tem ninguém pra ver, e isto derrota com o ânimo do artista, dá mesmo uma vontade, vendo a sala oquinha, de largar mão de tudo e cuidar de outra vida. Não fosse a paixão, está espécie de desvairada pertinácia que o idealismo traz, palavra, os que pretendem fazer teatro em Belém há muito se teriam voltado para outros interesses. Ainda bem que a Arte é assim como um demônio, um santo demônio, que entra na pele dum, e ele fica possesso e só está bem quando está lutando, sofrendo, se consumindo nas labaredas do doce inferno.
O povo gosta de teatro. Mais, anseia, dá a via por um espetáculo. Não é sua culpa se até agora aprendeu a apreciar quase só o que é ruim, a valorizar o medíocre.
Vez em quando tenho uma prova disso, rara, isolada, mas que dá para manter a fé no bom gosto latente do público. Não viram como a nossa plateia reagiu bem perante “O Pagador de Promessas “? quando Norte Teatro Escola levou “A Cantora Careca”, e Cláudio encenou “A Compadecida”, oito vezes encarrilhadas, no colégio Nazaré?
O povo quer bom teatro. Se não vai lá, é que não tem mesmo não sabe, não foi industriado na arte de pensar um espetáculo, porque ir ao teatro é como ouvir boa música, e aprende.
Mais um indício de tal interesse eu tive, um dia desses, quando, depois da publicação de uma cena de Gil Vicente, várias pessoas vieram a mim, numa curiosidade nem sintomática: “Lindanor, tu és dessas coisas, me conta como é mesmo do teatro de vocês, e conta, que nós queremos ver”.
Expliquei, repetindo mais ou menos o que os jornais têm dito, o que o professor Amir Haddad tão bem explanou em entrevista a um dos nossos matutinos: que está a primeira exibição (após um curto ano letivo – seis meses apenas) do Curso de Iniciação Teatral da Universidade do Pará. Espécie de teste público, onde o examinador será a própria plateia. São quatro peças, mas não se assustem, cada uma é um ato. Através dela o povo verá o fruto de seis meses de aula do prof. Amir Haddad a seus alunos, alguns dos quais jamais haviam pisado num palco.
Uma pena eu tenho, mas isto é uma velha lamúria: não vermos esse espetáculo no Teatro da Paz. Paciência. A direção e os artistas farão p milagre no auditorium da SAI. Porque os prodígios, mormente os de boa vontade, existem, são deste mundo mesmo, depende de se querer as coisas com entusiasmo e paixão.
Ora pois, é o público, é você, leitor quem vai apreciar o trabalho dessa equipe. Contamos com você, na certeza de que não nos faltará, nessa temporada teatral de 10 a 15 deste mês, na SAI. Para dizer um SIM animador aos que lutam por alfo de nobre e verdadeiro neste Pará. Afirmar-lhes que pedem e devem prosseguir, que não estão sós, mas que têm a seu lado a maior força que existe – o povo (até parece discurso político, mas embarquei sem querer nesse tom e nele vou até o fim). Este povo injustamente acusado de só divertir com o grasnar de Zé Trindade, as banhas de Violeta Ferraz ou com as piadas salgadíssimas de Milton Carneiro. Público malamado, se recorreu a tão sucedâneos da arte, é que praticamente não lhe ofereceram mais nada. Do momento em que tiver alfo de bom para aplaudir, ali estará, rente. Porque, isto eu sinto, o povo, em derradeira análise tem em sim, ainda que em germe, escondidinho, o gosto, o saber despertar esse amor.




[1] Jornal A Província do Pará (Nº 20.392), 2º Caderno. Domingo, 04/11/1962, (p.01).